MidiÁsia

Por Mateus Nascimento (Via Revista Intertelas)

Você conhece a puroretaria bungaku, a literatura proletária do Japão? Hoje vamos falar de um de seus maiores expoentes: Takiji Kobayashi, autor de Kanikosen. Eram os tempos mais duros da política japonesa. Os gabinetes estavam sob controle dos militares e a economia dando sinais de recuperação lenta. A famosa Era Taisho entrou na história marcada pelos governos conservadores e mais militarizados e pelo expansionismo japonês, dirigido por autoridades militares que tomaram os principais órgãos administrativos.

O escritor Takiji Kobayashi. Crédito: goodreads.

Ao mesmo tempo, cresciam as desigualdades sociais e muitos escritores, pintores e personalidades embarcaram no projeto de contestação a elas: surgia aí uma demanda por uma produção artística que levasse em contato as demandas da sociedade e dos menos favorecidos. Esses artistas eram das mais variadas matizes políticas e propunham mudanças e uma revolução.

Por volta de 1928, as principais revistas do país continham textos desses autores e autoras e o processo de perseguição começou. A visibilidade alcançada tornou-se uma arma mobilizada contra essas vozes dissidentes: muitos foram mortos, outros presos, violentados e em alguns casos utilizados como exemplo para a população do que poderia vir a ocorrer se alguém tomasse as mesmas ideias.

Nesse contexto, vemos o Takiji Kobayashi. Nascido pouco antes desses fatos, no ano de 1903, Takiji viveu em um Japão marcado pela crise. Com o país se recuperando a inflação, muitos japoneses são estimulados a se deslocarem para outros países. O Brasil recebeu muitos por volta de 1908 e tornou-se símbolo dessa campanha estatal pela imigração.

Poderia se pensar que ele acompanhou as primeiras notícias e decidiu se envolver minimamente com as questões desse projeto, pois dentre os seus temas se destacam as táticas repressivas do Estado japonês, as roubalheiras institucionais e a crise na qual se encontravam trabalhadores no contexto da tomada de decisão. Segundo os elementos retomados por Takiji no seu principal livro Kanikosen, sobre o qual falaremos adiante, boa parte das motivações para que trabalhadores migrassem estava no fato de que o estado teria aplicado golpes comerciais no campo, impulsionando crises e deslocamento. Takiji passou a ser perseguido e até investigado pela polícia secreta. Após a “fama”, Kobayashi inicia o projeto mais marcante de sua produção, Kanikosen.

Capa do livro Kanikosen. Créditos: Amazon.

A despeito da perseguição que se passa em sua vida, a qual culmina na apoteótica morte em 1933, Kobayashi desenvolveu uma tese sobre a vida dos trabalhadores no Japão que assumiu como missão relatar: segundo ele, havia uma situação de extrema exploração do trabalho que contrastava com o cenário nos pólos de Osaka e Tóquio, mostrado ao Ocidente, que só existia pela falta de organização política da classe trabalhadora.

Para tanto Kobayashi nos apresenta uma fábrica dentro de um navio, o Hakukô-Maru, especializado em pesca e processamento de caranguejos. Sua área de exploração é o mar de Okhotsk, no limite com os mares soviéticos. No seu interior, pescadores, operários, foguistas e tripulantes se juntam num espaço mínimo para dar conta da “missão de abastecer o glorioso Japão com o trabalho do fornecimento de alimentos”.

Cena de processamento do caranguejo do filme Kanikosen de 2009. Créditos: Asian Wiki.

Evidentemente, falamos de um navio com variados grupos: os tripulantes oficiais e diretores, o encarregado, normalmente conhecido como capitão, e os demais tripulantes que na sua maioria são oriundos da crise dos campos. O primeiro a ser apresentado é o explorador, capitão Asakawa, que comanda os rumos do navio de acordo com as ordens lhe dadas pelos dirigentes dos zaibatsu do setor. Zaibatsu é um conglomerado de famílias, as quais administram uma ou mais empresas em um determinado setor. Aqui não temos referência direta a nomes, talvez por conta da própria perseguição pela qual passou o autor. Qualquer letra escrita por ele poderia ser uma referência a pessoas ou personalidades daquele momento.

De certa forma, essa elipse é bem mais explícita do que se supõe, pois é possível identificar o império, os órgãos públicos e as liberdades concedidas às empresas no tocante a lei do trabalho, todos em acordo sobre esse conjunto de situações.

Ps.: Kanikosen ainda não foi publicado por nenhuma editora brasileira. Caso queira ler a obra, recomendamos a tradução abaixo:

André Felipe de Sousa. ALMEIDA. O navio-fábrica caranguejeiro, de Kobayashi Takiji: tradução e considerações. 2016. Dissertação (Mestrado em Língua, Literatura e Cultura Japonesa) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, University of São Paulo, São Paulo, 2016.


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