MidiÁsia

Por Guilherme Gooda1

Qual o preço e qual o caminho para se tornar um imortal? E qual a finalidade de se tornar eterno? Essas são as perguntas que permeiam a narrativa de Jornada ao Oeste.

A lenda de Sun Wukong, ou o Rei Macaco, é um patrimônio cultural chinês. Escrita por Wu Cheng’en por volta de 1570 e publicada pela primeira vez em 1592, a história retrata a viagem e a interação entre, pelo menos, três personagens – TripitakaMacaco e Porco. Estes dois últimos personagens são tão memoráveis quanto seus pares na literatura mundial Don Quixote e Sancho Panza. As comparações com Don Quixote, como fantasia satírica pautada em observação realista e sabedoria filosófica, são apontadas por diversos críticos considerando a importância das duas obras para o desenvolvimento das literaturas Europeia e Chinesa.

A obra se baseia em um acontecimento histórico ocorrido na China entre 629-645, em que um monge Budista, conhecido como Tripitaka, viajou até a Índia para recuperar textos budistas, dedicando, após sua volta, o restante da vida a traduzi-los.

Ilustração de Jamie Hewlett. Crédito: Journey to the West

A história factual de Tripitaka se tornou uma lenda, e elementos ficcionais foram adicionados como narrativa oral, culminando na versão lendária e fantasiosa representada em “Jornada ao Oeste”.

Como obra de fantasia, Jornada ao Oeste (西|| – Xī Yóu Jì) é prontamente acessada pela imaginação ocidental através de Macaco, de Arthur Waley, a adaptação preferida do grande público e, principalmente, do meio acadêmico. Waley escolheu apresentar apenas quarenta dos cem capítulos da obra original, visto que a tradução completa se provaria cansativa para os leitores ocidentais, já que muitos episódios parecem repetitivos e procedurais.

A narrativa completa de Jornada ao Oeste possui em sua completude cem capítulos, que podem ser divididos em quatro partes distintas. A primeira das quatro partes, que inclui os capítulos do primeiro ao sétimo, contém a introdução à história e a apresentação do personagem Macaco, o protagonista da narrativa de viagens mais famosa no Oriente. Por este ângulo, Jornada ao Oeste já foi comparado pela crítica com a Odisseia de Homero, aproximando as soluções engenhosas de Wukong com a astúcia de Ulisses.

Crédito: Jornada ao Oeste, 2008 pg. 141.

Certamente, os traços principais de Sun Wukong (孙悟空– Macaco) – sua bravura e prontidão, seu destacamento espiritual, seu humor travesso e sua grande energia – definiam seu caráter heroico. A postura desafiadora, principalmente durante a primeira fase da história, deve-se ao fato do personagem parecer invencível e imensamente poderoso. Seu único medo é a morte, o que explica toda sua jornada em busca da imortalidade.

Já na segunda metade, Wukong percebe que a imortalidade só poderia ser alcançada com o cumprimento de sua jornada através do serviço, dando início ao trajeto de viagens da China para a Índia, acompanhando o monge Tripitaka. Alegoricamente, a jornada de Wukong é uma busca por compreensão e entendimento que dialoga diretamente com o Budismo chinês, enquanto o pano de fundo místico ajusta-se com um Taoísmo já, de certa forma, influenciado pelo Budismo que expandia na China durante a Dinastia Ming.

A adaptação em quadrinhos de Jornada ao Oeste é classificada como um lianhuan hua, ou livro de imagens conectadas. Essa forma de quadrinho existe desde o início do século XX, quando a tecnologia de impressão barata tornou possível às editoras a produção em massa de imagens com alta fidelidade e texto com baixíssimo custo, oferecendo uma nova forma de entretenimento para o número crescente de leitores nas cidades. Uma das características desse quadrinho é a representação de apenas um ou dois quadros por página – riquíssimos em detalhes – trazendo uma legenda que explica a cena representada.

Crédito: Jornada ao Oeste, 2008 pg. 121.

Com o advento do mangá no Japão, principalmente após as obras de Osamu Tezuka, o lianhuan hua perdeu espaço para o novo quadrinho chinês, num estilo muito mais influenciado pelos quadrinhos japoneses e ocidentais, adotando o nome de manhua, para se aproximar dos mangás japoneses.

Diferentemente do quadrinho ocidental moderno e do mangá, onde existem os “balões” para darem fala e indicarem os pensamentos dos personagens, aqui a legenda funciona como parte integrante da cena – sem ela, a compreensão de certos quadros ficaria impossível. Hoje, o lianhuan hua é uma mídia essencialmente renegada, com sua distribuição e negociação atendendo a nichos específicos de colecionadores e adultos mais nostálgicos.

No princípio da narrativa, a personalidade quase infantil do Macaco faz com que ele pregue peças, zombe e discuta com seus opositores como uma criança que desafia os pais em frente ao castigo.

Nesse sentido, Wukong poderia representar o caos que perturba a ordem celestial, principalmente por não respeitar o “protocolo e a hierarquia” estabelecidos pelas divindades. Wukong é a representação de uma força e poder brutos da natureza, sendo desapegado das convenções sociais do Céu e exigente com o que acha ser o certo.

Wukong acreditava que sua força era seu direito de governar e, por sua arrogância, foi punido finalmente pelo Buda. Sua força física é demonstrada durante as passagens de combate e de treinamento, e sua ânsia para tornar-se imortal é o que o leva até o Céu. Por ser insubmisso, porém, cai novamente à Terra, onde fica aprisionado.

Crédito: Jornada ao Oeste, 2008 pg. 27.

Somente na segunda parte da narrativa é que Wukong aprende que a imortalidade e a iluminação não são atingidas através de força bruta, mas sim através do serviço, humildade e amizade. Enfim, consegue atingi-las ao longo de sua jornada, agora na companhia de novos amigos. Parece algum shonen que você conhece? A obra Jornada ao Oeste serviu como inspiração para várias outras da cultura pop, mas com adaptação do personagem Wukong e de outros conceitos tratados na narrativa.

Ficha técnica:

CHENG’EN, Wu – Jornada ao Oeste: o nascimento do rei dos macacos / Wu Cheng’en tradução Adam Sun. Ilustração: Ma Cheng, Wang Zhi-Xue e Hou Xi – São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2008.


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