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Dramas familiares são sempre plots com grande potencial de conquistar o envolvimento emocional do público. É com a premissa de uma família transformada após a prisão de seu caçula e sucessivas pequenas tragédias cotidianas que A Sun, de Chung Mong-Hong, convida-nos de forma cálida a refletir sobre os laços e o amor que nos une.

Chocante em sua primeira cena, o filme é aberto com o acontecimento de um crime: dois jovens entram em um restaurante e cortam a mão de um dos clientes. Logo em seguida, somos transportados para as consequências de tal ato, no julgamento dos rapazes: o adolescente A-ho (Wu Chien-Ho) e o jovem-adulto Raddish (Liu Kuan-Ting). Antes de decretar a pena, o juiz solicita a opinião do pai de A-ho, A-wen (Chen Yi-wen), sobre a punição. No entanto, ele não comparece ao julgamento; em vez disso, vai para seu trabalho, causando constrangimento à família. Quando finalmente comparece, A-Wen surpreende mais uma vez ao pedir que a pena de seu filho seja dura e que o filho fique no reformatório por muitos anos.

A dureza com que o pai condena o próprio filho, apesar das súplicas da mãe, a Sra. Qin (Samantha Ko), revela a natureza ainda mais brutal do que qualquer cena de violência explícita poderia ilustrar. De fato, a naturalidade com a qual os membros da família tentam levar a vida após esse evento é incômoda. No entanto, situações externas os impedem de viver em total normalidade: o pai da vítima de A-ho e Raddish passa a frequentar o ambiente de trabalho de A-wen para cobrar uma indenização; a Sra. Qin é surpreendida com a visita de uma mãe desesperada e de sua filha de 15 anos que alega estar grávida de A-ho; e A-hao (Hsu Greg), o filho mais velho e visivelmente o preferido, em vez de continuar os seus estudos para prestar o vestibular de medicina e ser o responsável por ‘prover’ sua família de alguma forma, passa a ter uma rotina pouco clara.

Crédito: Devo Tudo ao Cinema

Com um céu que gradativamente vai se enchendo de nuvens em uma noite, trazendo as sombras como um eixo que guiará o filme dali em diante, o segundo ato é demarcado com mais um acontecimento desestruturador para a família Wen: o inexplicável e surpreendente suicídio de seu primogênito. Jogadas de luz sempre luminosas conduziam os passos de A-Hao – a vida, porém, parece ter se tornado mais pesada do que ele pôde suportar, impulsionando-o para um escape pela penumbra.

Ironicamente, foi a vida do filho “perfeito” que se encerrou de forma dramática. Por outro lado, A-ho, o filho “imperfeito” que mal consegue se comunicar com o próprio pai, torna-se responsável por sua própria existência e com a difícil missão de “ser melhor”. Ao sair do reformatório, agora casado com a adolescente que decidiu dar à luz seu filho, o personagem amadurece e até mesmo “embrutece” ao ter que dar conta da dura e preconceituosa realidade de alguém que saiu de uma prisão.

Embora A-ho tenha conseguido um emprego em um lava-jato e, para complementar a renda, em uma loja de conveniência nas madrugadas, isso parece ser insuficiente para aproximá-lo do próprio pai. A falta de comunicação entre os dois personagens é brilhantemente representada por atuações muito sensíveis, causando empatia imediata com o espectador, acompanhada de certo desconforto ao observá-los.

Crédito: Jornal Cruzeiro

No entanto, para o infortúnio de A-ho, seu passado parece não dar sossego ao cotidiano presente. Nisso, Raddish ressurge em cena, convocando-o para trabalhos criminosos. Sua insistência e constantes ameaças levam A-ho ao limite da falta de escolha. Embora ele tente se desviar desse caminho, o caminho desviante parece retornar para deixá-lo encurralado.

É justamente seu “retorno” involuntário ao crime que direciona o ato final do filme. De maneira surpreendente, é seu pai, A-Wen, que assume a heroica liderança de “salvar” o filho imperfeito. Para isso, ele está disposto a também se desviar do caminho da legalidade e cometer o maior de todos os crimes. Assim, em uma noite, seguindo Raddish e A-ho, A-Wen se incumbe de proteger seu amado e imperfeito filho na penumbra. Ao vislumbrar a possibilidade de estar com Raddish sozinho, A-Wen comete o crime, garantindo que A-ho se liberte da terrível situação em que se encontrava e viva, finalmente, em paz com sua nova família.

Crédito: Filmow

A Sun foi indicado a 11 categorias no 56th Golden Horse Awards – uma espécie de Oscar para filmes falados em chinês, da província de Taiwan – , das quais levou as premiações de melhor filme e de melhor diretor. Ainda assim, a narrativa parece se alongar demais em seus 156 minutos de duração, tornando a experiência cinematográfica um pouco arrastada ao demorar a entregar o desfecho da trama. O que nos segura, no entanto, é certa cumplicidade velada com a qual o espectador se encontra envolvido com os personagens. Imperfeita em sua natureza, a família nos emociona justamente por seus laços completamente falhos e tremendamente humanos.

Ficha Técnica:

País: China (Taiwan) | Direção: Mong-Hong Chung | Roteiristas: Chung Mong-hong, Chang Yao-sheng | Elenco: Wu Chien-Ho; Wen Chen-Lin; Samantha Ko; Chen Yi-Wen; Liu Kuan-Ting; Hsu Greg | Duração: 156 min | Ano: 2019

Categorias: Resenhas

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